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EDITORIAL – Mudanças do consenso de sepse 2021, como podemos utilizar na medicina veterinária?

Em 2016 houve uma grande mudança sobre o entendimento da sepse, deixando de ser apenas uma infecção associada a uma resposta sistêmica inflamatória para ser definida como uma disfunção orgânica ameaçadora a vida associada a resposta imunológica de um hospedeiro a um agente etiológico.

Esse novo conceito, em teoria, permitiu a inclusão de pacientes, que apesar de não apresentar claramente sinais de SIRS, demonstravam algum tipo de disfunção orgânica. Um exemplo simples é um paciente com um foco de infecção, apresentando aumento de creatinina e trombocitopenia, mas que em avaliação física ainda não tinha alteração em frequência cardíaca, respiratória e temperatura.

Apesar dessa nova forma teórica de identificação do paciente séptico é necessário existir algum tipo de procedimento que permita o diagnóstico dessa síndrome que tem alta taxa de mortalidade. Como ferramentas em avaliação que podem ser empregadas para esse diagnóstico foram o sofa escore (avaliação sequencial de falência de órgãos) e o qSOFA (avaliação rápida sequencial de falha de orga).

Em 2021, em novo consenso, alguns parâmetros foram melhor entendidos e avaliados. A campanha de sobrevivência a sepse mantém a definição de sepse como uma disfunção orgânica ameaçadora a vida causada pela resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. Assim, a definição de sepse e choque séptico permanecem em novo consenso.

Diagnóstico do Paciente Séptico:

A triagem do paciente séptico ainda é um desafio, talvez até mais importante para o médico veterinário do que para a medicina, mas mesmo na medicina ainda são constatados atrasos na identificação do paciente em sepse e, consequentemente, do início de sua terapia.

O novo consenso desaconselha o uso do qSOFA em substituição ao SIRS (síndrome da resposta inflamatória sistêmica), NEWS (national Early warning score) e MEWS (modified Early warning score) como ferramenta de triagem do paciente em sepse.

Todos esses termos citados são ferramentas de avaliação clínica de pacientes, normalmente utilizadas como método de monitoração do paciente internado. O qSOFA avalia três parâmetros: a frequência respiratória, nível de consciência e pressão arterial. Quando o paciente apresenta alteração em 2 desses 3 parâmetros há uma associação com pior prognóstico. Apesar disso, o uso dessa ferramenta como forma de triagem do paciente em sepse demonstrou-se ineficaz de 2016 para os dias atuais.

O NEWS avalia 7 parâmetros:


Perceba que essa ferramenta engloba os parâmetros avaliados no qSOFA e adicionar mais quatro, o que aumentou a capacidade de predição da evolução do paciente e ainda, pode ser uma avaliação interessante como triagem de pacientes que apresentem infecção suspeita ou diagnosticada.

O MEWS é muito semelhante ao NEWS, mas apresenta como parâmetro a saturação de oxigênio pós terapia, combinando os parâmetros necessidade de suplementação de oxigênio e saturação de oxigênio do NEWS, além de adicionar a produção urinária e 1 ponto a mais no escore para preocupação do enfermeiro.

O SOFA escore é uma ferramenta já conhecida desde o consenso de 2016, sendo a principal forma de diagnóstico e monitoramento da disfunção orgânica conhecida atualmente. Como a sepse é definida como uma disfunção orgânica associada a uma infecção faz sentido dizer que o SOFA escore parece ser a ferramenta mais adequada para a triagem de pacientes que apresentem um foco infeccioso.

Um sistema não comentado no consenso, mas que pode ser utilizado em nossa rotina são os critérios de disfunção orgânica apresentados no livro Emergências Veterinárias de Pequenos Animais Condutas Clínicas e Cirúrgicas no Paciente Grave, do professor Rodrigo Rabelo em 2012. Essa citação apresenta oito disfunções orgânicas básicas: hipotensão, oligúria, hiperbilirrubinemia, consciência alterada, disfunção respiratória, alteração na coagulação, ílio paralítico e hipoalbuminemia. Novamente, como a sepse é definida como uma disfunção orgânica associada a resposta do hospedeiro a um foco infeccioso entende-se que é possível utilizar essa ferramenta como critério de triagem.

Apesar da existência de tantas ferramentas, fica a dúvida: qual delas deve ser utilizada? O consenso apenas indica a não utilização do qSOFA, mas não indica claramente qual seria a melhor ferramenta. Apesar de recentes estudos apontarem o SOFA escore como a melhor método de triagem deve-se considerar qualquer disfunção orgânica.

Assim, ao atender um paciente com um foco de infecção, diagnosticado ou suspeito, as disfunções orgânicas devem ser pesquisadas, seja qual for a ferramenta aplicada.

Como exemplo, se você atende uma cadela com piometra (evidenciada em avaliação ultrassonográfica e leucograma) e essa paciente apresenta trombocitopenia, iremos considerar essa paciente em sepse e iniciar o protocolo de atendimento para essa síndrome.

Em uma outra situação, você atende um paciente que apresenta leucocitose, mas não consegue identificar um foco de infecção, permanecendo o mesmo em suspeita, mas esse paciente apresenta hipotensão, também iremos considerar esse paciente em sepse e iniciar a terapia.

"Vale ressaltar aqui que é possível que iniciemos o tratamento em alguns pacientes que não estão com infecção, apesar disso, é muito importante que o paciente em sepse seja diagnosticado precocemente, para que seja possível reduzir a possibilidade de óbito"

Lactato:

O lactato é um biomarcador de alteração da relação transporte de oxigênio/necessidade de oxigênio (DO2/VO2), mas não está diretamente relacionado a perfusão. Quando existem células que não estão recebendo oxigênio para produção energética, como mesmo passa a produzir uma respiração anaeróbica para tentar suprir essa redução da disponibilidade de oxigênio. Como resultado existe uma produção energética de baixa eficiência e produção de lactato.

O uso do lactato como a monitoração do paciente em sepse é discutido a vários anos, sendo ainda um tema sem consenso. Entretanto, o aumento do lactato, a falta de resposta a terapia ou a manutenção do nível de lactato por longos períodos, são associados a piores prognósticos.

É importante lembrar que o lactato, apesar de estar associado a prognósticos piores, não é um elemento tóxico ou prejudicial aos tecidos, mas na verdade, deve ser encarado como um marcador de gravidade.

O valor isolado do lactato não parece ser tão importante quanto a capacidade de redução após a terapia. Em 2016 foi indicado que ao iniciar a terapia de um paciente com infecção e em hiperlactatemia haja uma redução dos valores aferidos de lactato de menos 20% em duas horas.

O consenso de 2021 indica que o lactato poderia ser uma ferramenta de triagem, principalmente indicada em casos em que não foi possível identificar o foco de infecção, mas a suspeita persiste.

Apesar disso, o consenso reconhece que o nível de evidência desse tipo de uso do lactato é baixo.

É possível perceber que pacientes nos quais é possível reduzir o lactato tem prognóstico melhor do que pacientes que permanecem com hiperlactatemia. Além disso, não é mais recomendado que o paciente receba altas taxas de fluido com o intuito de reduzir o lactato o máximo possível. A fluido deve ser realizada com base em outros marcadores.

Ressuscitação inicial:

É recomendado o uso de solução cristaloide na taxa de 30 mL/Kg em 3 horas de administração intravenosa para pacientes que apresentam alteração perfusional ou choque séptico.

Essa fluidoterapia pode ser guiado pela avaliação de parâmetros dinâmicos como a elevação da perna associada à avaliação do débito cardíaco, desafio de fluido e volume sistólico, pressão arterial sistólica ou pressão de pulso. Caso não haja a possibilidade de realizar essas avaliações hemodinâmicas, pode-se utilizar o tempo de preenchimento capilar (TPC) como guia da fluidoterapia.

Apesar da redução do lactato indicar melhora no prognóstico do paciente, guiar a fluidoterapia baseado no lactato parece estar associado a um aumento da disfunção orgânica, não sendo uma abordagem indicada no paciente séptico.

Não existe um parâmetro totalmente eficaz para guiar a fluidoterapia, mas já é reconhecido que a monitoração da heroína pelo TPC é melhor do que pelo lactato, sendo metodologia essa simples e eficaz se executada de forma criteriosa e seriada.

Meta de pressão arterial:

Não houve mudanças quanto a meta de pressão arterial, sendo ainda recomendado que o paciente atinja uma pressão arterial média (PAM) de 65 mmHg. Apesar da existência de evidências associadas à redução de lesão renal em pacientes cronicamente hipertensos quando o PAM é mantido em valores maiores (75 a 85 mmHg), não há redução da taxa de mortalidade ou redução de lesão orgânica quando o alvo pressórico é maior em outros tipos de pacientes.

Para ajuste da pressão arterial é recomendado a utilização de vasopressores caso o paciente não apresente resposta a terapia fluídica. A dopamina não é mais indicada para o tratamento da hipotensão associado a sepse ou choque séptico. Já a dobutamina (um agente inotrópico positivo) tem indicação em pacientes com redução de contratilidade cardíaca diagnosticada, ou seja, após a realização de ecocardiografia.

Recomenda-se iniciar o tratamento com norepinefrina, na taxa de 0,25 mcg/Kg/min, aumentando a taxa tendo como meta a PAS de 90 mmHg ou PAM de 65 mmHg. Caso a taxa de 0,5 mcg/Kg/min seja alcançada mas a meta não foi atingida, adiciona-se ao protocolo a vasopressina e caso a associação entre esses dois fármacos não fornecer a pressão meta, indica-se a associação de adrenalina ao protocolo vasoconstritor. Se depois dessa terapia o paciente ainda persistir hipotenso, as taxas de vasopressina e adrenalina ficam estacionadas e a taxa da noradrenalina deve ser incrementada até que a pressão meta seja alcançada.

Antibioticoterapia:

Apesar de todos os avanços em identificação de marcadores de disfunção orgânica e terapia de suporte a verdade é que a forma principal de terapia associada ao aumento da taxa de sobrevivência na sepse é a instituição precoce de antibióticos.

O uso de antibiótico é recomendado em casos em que haja sepse diagnosticada ou provável, no período de até uma hora após o reconhecimento.

Caso a sepse seja uma suspeita, mas o paciente apresenta estado de choque (como por exemplo com sinais de hipotensão) também há a indicação de uso de antibióticos na primeira hora após o reconhecimento. Mas caso o paciente não esteja em choque, indica-se a realização de investigação de causas infecciosas e não infecciosas para os sinais, tendo um tempo limite de três, caso seja atingido-se antibioticoterapia da mesma forma.

Não recomenda uma recomendação quanto ao qual antibiótico deve ser utilizado no início da terapia, mas ainda é indicado o uso de agentes bactericidas, de amplo espectro de ação e com rápida biodisponibilidade (via intravenosa).

Antes do início da antibióticoterapia é recomendada a coleta de amostra da região contaminada para cultura e antibiograma e dessa forma definir qual o melhor princípio ativo a ser utilizado. Como esse tipo de avaliação leva 3 dias para ficar pronto, deve-se iniciar a antibioticoterapia com princípios ativos de amplo espectro de ação.

Caso um paciente seja transferido de uma unidade de internamento para uma semi-UTI ou UTI com histórico de vários dias de uso de antibióticos com piora do quadro clínico, é possível utilizar fármacos da classe dos carbapênicos (Imipinem e Meropenem).

Quanto a sepse causa por vírus ou fungo, não há recomendação de uso de agentes antivirais ou antifúngicos de forma empírica, ou seja, sem a identificação do agente causador.

Controle da fonte de infecção:

A identificação e controle da fonte de infecção é fundamental no tratamento do paciente em sepse ou choque séptico. Esse controle pode incluir drenagem de abcessos, desbridamento de ferida, remoção de implantes com contaminação ou excisão da estrutura anatômica fonte da infecção.

Além de estar associada a uma redução da taxa de mortalidade, o controle da fonte de infecção potencializa o efeito de antibióticos utilizados no tratamento do paciente.

Considerações finais:

Ainda existem outras terapias que podem ser indicadas em pacientes sépticos, mas que devem ser avaliados caso o caso, como a mecânica ventitória em situações em que a relação entre a pressão arterial de oxigênio (PaO2) e a fração inspirada de oxigênio (FiO2) se encontrar igual ou inferior a 200.

Cuidados com feridas, enfermagem do paciente, nutrição, manutenção hemodinâmica e controle de dor deve ser realizado até que paciente saia do estado crítico.

Além disso, é fortemente recomendado que o paciente seja monitorado de forma constante durante o internamento, para que condutas terapêuticas adotadas possam ser reavaliadas.

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